segunda-feira, 22 de junho de 2009

Psicologia e Ciência, no Brasil


Um cientista que nunca tenha filosofado sobre a sua ciência, nunca poderá passar de um cientista secundário, um imitador, um funcionário da ciência.

Collingwood (1889-1943)

No Brasil, a Lei nº 4.199, de 27/08/1962 é que dispõe sobre os Cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Então, para que, pela primeira vez, pudesse ser fixado oficialmente, neste nosso país, um currículo mínimo e a duração do curso de Psicologia, visando a direitos do exercício profissional, foi exarado, ainda em 1962, o PARECER Nº 403 e respectiva Resolução do Conselho Federal de Educação.

Segue um trecho inicial do referido PARECER Nº 403:

Dadas, porém, as características muito especiais da nova profissão, é preciso que, desde logo se procure elevar esse curso a um nível de qualificação intelectual e de prestígio social que permita aos seus diplomados exercer os misteres do trabalho psicológico de modo eficaz e com plena responsabilidade. Para isto, é imperativo que se acentue o caráter científico dos estudos a serem realizados, que só assim há de ser possível assegurar à Psicologia a posição de relevo que lhe cabe no concerto das chamadas profissões liberais e, pari passu, evitar as improvisações que, do charlatanismo, a levariam fatalmente ao descrédito.

"É imperativo que se acentue o caráter científico dos estudos". Por que imperativo? É muito simples. Somente o conhecimento científico permite o máximo controle sobre os fenômenos que estuda/aborda. Assim, somente se formos detentores desse tipo de conhecimento, poderemos ter a certeza de estar atuando sobre esses mesmos fenômenos estudados, com total controle relativamente às consequências dessa atuação.

Somente desse modo, então, estaremos atuando, de fato, de forma responsável e ética. Tendo consciência clara ou não, é sob tal pressuposto que o legislador autoriza o exercício de uma profissão, principalmente daquelas que possam ter consequências mais imediatas e mais drásticas sobre o Ser humano. Um médico, por exemplo, que receita um remédio, sem controle das consequências do mesmo sobre o organismo do cliente, está se comportando de forma irresponsável e contrária à ética.

Contudo, deve-se ressaltar que a lei em questão se preocupa com a prática da Psicologia com embasamento científico, no Brasil. Daí, o título deste artigo que trata da mesma: "Psicologia e Ciência, no Brasil". E isso não significa afirmar que exista uma ciência que possa ser designada como "Psicologia brasileira", conforme ideia, muitas vezes claramente expressa (acredita-se que de forma inadvertida), em variados escritos da Psicologia. Inclusive, tal não ocorre apenas com a Psicologia. Quantos de nós já não viu referência a uma suposta "Física soviética", principalmente nos tempos da "guerra fria"?

Tanto isso ocorre, principalmente em determinadas circunstâncias, que um dos maiores (pela força dos seus argumentos e provas materiais) epistemólogos, Mario Bunge (1919 - ), ao tratar da 2ª, dentre as que seriam as cinco teses mais populares do que designou como uma certa "Filosofia Popular do Desenvolvimento Científico" escreveu, em Teoria e realidade, editada pela editora Perspectiva de São Paulo, em 1975:

A segunda tese popular é a de que a ciência de um país em desenvolvimento deveria ser regional: que deveria se limitar a estudar os casos típicos, as curiosidades regionais que não se encontram em outras partes (...). Evidentemente é uma tese falsa, já que a ciência é universal ou não é ciência, mas folclore. (p.229)

E Bunge dá uma série de exemplos. Mas preferi substituí-los por apenas dois de minha autoria. O primeiro é aquele da tal de "Pedagogia do Oprimido" (do oprimido brasileiro, diga-se de passagem). O segundo refere-se a uma "tese de doutorado", supostamente em Psicologia Social. Tinha como Tema: "o engajamento dos filhos dos Sem-Terra, no Brasil". Tratava-se do engajamento político, evidentemente.

Tudo indica que o trecho do PARECER Nº 403, citado aqui, e principalmente quando afirma que "é imperativo que se acentue o caráter científico dos estudos", adota como parâmetro a idéia de "ciência universal". Escreveu-se que "tudo indica", apesar do Brasil ser um país ainda em desenvolvimento (principalmente em 1962), por acreditar-se que, mesmo nesta última circunstância, a ideia da tal "ciência regional", embora popular, não devesse ser necessariamente defendida por todos. E não seria mesmo, pelos menos por aqueles possuidores de fundamentos mais sólidos, relativamente às questões epistemológicas.

Escolheu-se este artigo para inaugurar o Blog "Psicologia e Ciência" porque o mesmo pareceu-nos mais adequado, tendo em vista sinalizar para os eventuais futuros leitores as exigências de fiel observância aos mais rigorosos preceitos de universalidade e objetividade, como critérios para a "cientificidade" dos conhecimentos da Psicologia a serem discutidos aqui. Antes, porém, de serem trazidos para o debate, alguns esclarecimentos de caráter epistemológico serão apresentados nos próximos artigos, principalmente sob o ponto de vista das posições assumidas e defendidas nesse campo.